O que há para se fazer quando você quer ser mais do que é?Acolhe-se uma alma - ou várias.
Eu lhe entregarei meu amor se me permitir. E mesmo que meus olhos chorem, eu lhe confortarei com meu abraço sufocante – como um palhaço, lhe trarei felicidade mesmo que meu coração sangre. Não peço nada em troca, só me permita ajudar. Permita-me mudar uma vida.
Eu sei que as auréolas não brilham mais, mas sairei em busca dos anjos que caíram e têm suas energias esgotadas pela escuridão. Os beijarei e eles se levantaram como águias. Mas eu preciso – preciso ajudar o mundo. Ele chora, ouve? Eu sim. Ouço cada súplica desse mundo eterno que agora é apenas uma poça em que esquálidos nadam e o sujam mais – sua eternidade perde a força. Ouço o cântico da chuva, deixo-a me molhar, sinto-a. Logo chegará o momento, posso sentir. Como? Como formigas que sentem a chuva antes mesmo desta tocar o chão. A sensibilidade é a palavra chave, sempre será. Você precisa sentir para ver. Sentir. Sentir. Sinta. Sinta-me aqui, aí. Quero estar com você que lê, quero abraçá-la e aquecê-la. Permita-me, sim? Assistiremos ao crepúsculo juntos; à hora em que a luz se funde à escuridão. Brindaremos ao abstrato. Mas querida, quando você acordar eu não estarei mais aí – sou peregrino. Sairei junto à aurora em busca dos anjos. Não se magoe, estarei onde a alegria se esgota; eles precisaram de mim. Vou me sacrificar ao bem do mundo que implora por salvação, vou morrer logo, mas espero fazer o bem para os anjos. É um trabalho árduo limpar as lágrimas dos milhares que caem, mas quem se não eu?
Quem se não eu?
Logo o sol vai renascer, virá em minha janela acariciar meu rosto. Não se preocupe, ele também acariciará o seu; basta sentir. Então acorde e desperte tua sensibilidade. Você precisa dela. É preciso sentir-me para me ver. Você já pode me sentir? Estou aí ao seu lado, é só sentir. Estou sorrindo e olhando seus lindos olhos de mel. Agora aperto sua mão, eu posso sentir seu coração bater, bate mais rápido. É cálido o amor que sinto por você mesmo não te conhecendo. (Sou como a música - escrevo-te cantando.) Estou aí, e agora não mais. E como todo devaneio, você dirá: foi apenas um sonho. Doce menina, sonhos existem e por existirem são reais. Quando dormimos, eles se tornam mais reais que a própria realidade. Eu adoro sonhar e você? Porque sonhar é o melhor que podemos fazer, é nossa outra realidade. É uma realidade. Eu sonho com anjos.
Espasmo. Vejo a doçura dos anjos - eles bailam com as estrelas. Queria que você pudesse admirar a magnificência do abstrato. Sinta e olhe para o céu.
Fui alimentar-me, devorei cada letra e cada som da canção – falava sobre sonhos. Eu me alimento de tudo; preciso me fortalecer para o fim que se aproxima. Vem como uma cobra; vem faminta e pronta para devorar mais uma alma. Pegará-me e eu não terei chances de escapar, vai sufocar-me e quebrar meus ossos como meros palitos, espremerá de mim toda dignidade. Mas eu o surpreenderei, estarei esperando por ele. Farei chá e comprarei bolinhos. “Sente-se comigo, Senhor do nada. É meu último pedido. Senhor, você gosta de chá? Espero que sim. Logo estaremos a caminho do nada e nada é fim. O vento estará soprando minhas pegadas que se cravaram em areia, eu me tornarei nada e elas também. Prove os bolinhos, eles são os melhores de Londres, Senhor do fim.” É mórbido, mas sem escárnio. Mas ainda há tempo, quero pedras, gravarei mensagens que me farão eterno. Não peço ouro por que este representa grandeza material - sou o incorpóreo.
Logo irá amanhecer e eu terei que buscar por mais almas desesperadas – elas esperam por mim. Há milhares de anjos perdidos, senhorita. Mas eu também tenho meus momentos de perdição, choro também. Choro na chuva. É quando eu a sinto, e quando ela me sente também. Ela me fala sobre tudo, e me traz mensagens das nuvens, elas me veem - sempre soube que elas me observavam. Choro dilacerante é o que me ocorre ao olhar para Lua. Carrego a culpa irremissível - senti a cólera divina que confiou a mim esse perpétuo castigo. Não estar ao seu lado para mim é um suplício, querida Lua. Fui interdito de ouvi-la, estou distante demais.
Eu que jurei nunca deixá-la partir.
Ela é meu amor há décadas, a minha morte e meu nascimento. Só posso te observar de longe, meu amor. Medonho castigo; embora tão grande eu não possa tocá-la. É meia-noite e a Lua está em seu momento de glória. “Oh, adorada Lua, brilhe para sempre para que mesmo no fim eu possa te ver, e em momentos secos, possa molhar-me com tua doçura. Eu aceito nossa maldição, Lua Doce. Eu viverei por um tempo escasso para assistir-te, e você será para sempre do Universo. Cuide de mim, oh Lua. Abrace-me e me beije, quero sentir.” O fim logo chegará para você que lê, sim. Não se preocupe, será rápido. Além de tudo, estarei com você, sempre estarei com você, segurando a sua mão. Lembre-se disso. Preciso me preparar para sair e buscar os anjos e as almas bondosas que estão por aí. Despeço-me com um pedido, minha amiga: jamais tenha medo do fim, pois este é apenas um novo começo, entenda – sinta.
Então, se eles não sentem, é porque não são dignos de sentir.
É chega à hora do fim.