sábado, 25 de junho de 2011

E só é como só pode ser.


“Existe um sentimento que às vezes você tem em um pesadelo. Você está correndo e algo escuro e grande está perseguindo você, e você não quer parar para deixar que a escuridão, que a grande coisa alcance você. Algo ruim pode acontecer e você não pode mudar isto. Mas você pode se virar e vê-la vindo. Você pode ver a face do seu pior pesadelo.”
 
E se você se sentisse a própria escuridão? E se você fosse o monstro que saísse da escuridão? Do que você teria medo? O que você sentiria?

É essa vida que me acontece. Não, não! A vida não me acontece não, só passa. Passa não; voa. E eu vejo, vejo aquela multidão que voa junto, que tira os pés do chão e vai; com ou sem medo, vai. E vai pra tão longe que eu mal vejo, mas vejo o mesmo mal. É esse mal. É esse mal que tá aqui dentro da gente, de mim e de você. É esse mal de ser gente, de ser (des)humano que grita e que aflige quem tá desprotegido. A gente perde a vida quando nasce e nem vê, porque a gente para de enxergar quando abre os olhos. É assim que eu me vejo imaginando no escuro. É assim que eu ouço as asas batendo e é assim que eu sinto meus pés no chão; meus tristes pés no chão que nunca voam. E dói, como dói. Dói tanto que eu nem sei, ou sei. É que dói tanto que eu me engano – me escondo dentro de mim daquilo que eu já sou; a dor que me é já me vive.

 É essa dor que me vive. É medo, é o medo de saber onde está a felicidade e não poder ir. É saber que se por acaso você for, não voltará o mesmo; é o medo da mudança. É medo de perder a visão que já nem existe. E se eu cruzasse com o escuro, e se eu sentisse o medo passar e então voasse? E então. Então que eu nem imagino o que seria se eu fosse. E se eu pudesse superar a superação, como eu saberia – como eu poderia? É que é muito, eu sou o pouco; sou o medo. E o escuro? É que quando você vive muito tempo em um lugar, você nem o acha tão assustador assim. Assustador é o desconhecido, assustador é sair da escuridão. Assustador é estar na escuridão e ver a linha tênue de luz que pouco a pouco vai abalando todas as estruturas. É. E só é como só pode ser. Dizer que se é a escuridão é abuso; não sou não. Eu vivo com os olhos fechados o que, apesar de tudo, me impossibilita de andar. Ser monstro, daí já não me cabe saber, ou cabe; a questão que me é, é que não sei. Ser monstro significa ser gente? Então eu sou. Então todos nós somos. Então, correr sem olhar para onde se vai, é ser livre? Então somos livres? Eu não. Eu mal posso andar. Então, então, preciso da tua mão. Preciso que me empurre, que me faça tropeçar... deixe seu pé na frente, venha! Faça-me sentir o que é ser livre sem poder. Venha, tira-me desta vida que já não me é há tempos. Porque quando a gente começa a viver o dia-a-dia como ele é, qualquer coisa que entre em nossas vidas será como qualquer outra e se; e se por acaso o amor chegar, a gente pode deixar passar. Não, não me deixa deixar passar não. Venha, me bata, me faça sentir. Faça com que eu sinta mais que apenas a dor da escuridão, faça sangrar. Não me deixe crescer, porque eu tô crescendo, eu tô deixando de ser criança e não! eu ainda não estou preparado. Então venha, traga-me soro de vida, tira de mim o sangue que tá morrendo. Vamos juntos. Não abra meus olhos, mas me faça voar. É só o que te peço.

Não abra meus olhos, mas me faça ver.

domingo, 12 de junho de 2011

É tempo, é medo e é falta.

– A ele? – gritou Snape. – Expecto patronum!

Da ponta de sua varinha irrompeu a corça prateada: ela pousou, correu pelo soalho do gabinete e saiu voando pela janela. Dumbledore observou-a se afastando pelos ares e, quando seu brilho prateado se dissipou, ele se dirigiu a Snape e seus olhos estavam cheios de lágrimas.

– Depois de todo esse tempo?
– Sempre – respondeu Snape.
J.K. Rowling


E esses domingos que nos matam, hein? Ninguém dá jeito? E essas portas fechadas que ninguém abre, hein Zé. Tô aqui sendo corroído pela saudade que me bate tão forte que mal suporto, caio Zé, caio e mal levanto. É muita falta pra pouco espaço, sobra; sobra de dor. E esse medo de saudade das coisas estupendas? Como pode Zé, tanta coisa boa passar desse jeito? Não posso. Não deixo. Não posso não deixar. É esse tempo minha única certeza inconstante; esse tempo que brinca, ri da nossa cara e só passa. Vive passando! Como pode ser assim: flutua, voa, é tão liberto que nunca para. E como alguém poderia parar naquilo que nunca para? Naquele coração que outrora nunca ninguém parou? Como poderia. Podia? Se podia. E não sabia. Porque ainda era tão cedo e já era tão tarde; éramos tão felizes enquanto passávamos e não víamos. Pois agora sou e agora já não sou o que era há segundos atrás. Segui em frente, com letras, espaços e vírgulas. Segui, e o tempo? Veio junto e isso me amedronta: Tô andando junto ao tempo! E depois, depois que eu parar – o tempo vai continuar e eu, o que faço? Continuo, como? Não posso. Porque paro dentro de mim, às vezes é tamanha dor que levanto da cama e ainda permaneço nela. Como ontem, tamanha ousadia nunca me ferira tanto; como ontem, nenhum bêbado de vida dissera-me palavras que me doessem tanto. E como doíam, e como se debatiam as palavras dentro de mim. E reverberavam, uh!, e como reverberavam dentro de mim. Eu tentei não ouvir, mas aquele uníssono era mais forte; rendi-me a palavras tão puras e alcoólatras. “E você, menino, vai fazer o quê? Vai esperar pela vida até que a morte a leve? E você sabe o que é a morte, menino, sabe o que é a vida? Pois não parece, vive ai esperando, um dia chega, rapaz, um dia a morte aparece pra você. E ai, meu querido, você vai perceber que a vida passou e você nem viu. Corre atrás, anda, não para porque a vida tá logo ali.” E ah, Senhor, colocaste tal homem em minha frente e me tiraste totalmente a visão. E como, e por que dá-se a vida e tira-se o prazer de poder senti-la? Como, Senhor, eu poderia viver apenas comigo se precisava dela? Eu não saberia, e se saberia, não poderia. E nesse espasmo corri. E só. Corri como onça, Zé. Naquela plenitude fui mais rápido do que aquele coração que batia frente a ela. E nesse correr, amigo, nunca fui tão livre. Nesse correr, nunca corri sem saber pra onde ia. Corri atrás desse tempo que estava passando sem mim, Zé, corri tanto que me exorbitei daquele que um dia eu fui. E agora, tô aqui nesses barrancos de novo, e como pode, como poderia, se poderia, se podia, como? Tiraste-te me da lentidão para retroceder-me, Senhor? E não, a culpa não é tua. É minha; minha por não agarrar com os dentes aquele tempo que passava e não parava. E aquele meu coração que ia se contorcendo, reprimindo, contraindo pra caber dentro daquela moça que ainda vive aqui, apesar de tanto tempo e apesar de tantas lágrimas. Ainda vive aqui. E ah!, como vive. Você bem sabe Zé. E a culpa é minha, e eu sei que é minha, mas e agora? Culpo-me; tô me culpando por tudo. E agora, quem me desculpará por tudo? Quem vai me conceder o perdão, hein. E quando, ao final dessa música, quando essa dor vai passar? “Pois eu ainda sinto toda essa dor, esse medo, esse tempo, eu ainda sinto tudo que nós fomos sendo-nos tão longe de nós, ainda sinto quando nossa música começa a tocar, moça.”

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Voltimeia a gente pode enxergar no escuro.


“A felicidade somos nós.” Disse ao som duma voz calmamente longínqua, reverberava em mim com tal intensidade que vivi por instantes outra vida de quem se é felicidade pura. Fui felicidade plena enquanto ouvia tudo aquilo que já não podia mais ouvir. Era como se, ah!, era como se todas as palavras estivessem dançando pela sala, eram bailarinas que aos saltos e rodopios chegavam a mim e me elevavam. Era como se soubessem de todas as minhas trancas e cadeados que me mantinham ali, em mim. E se fosse por acaso; eram minhas mesmo assim! Eram minhas as palavras – não as que me descreviam – eram minhas as palavras que descreviam minha prisão. E tudo, por que era só? Não, porque o só de repente tornara-se tudo, e o tudo, como já diziam “... era uma coisa só.”. Foi quando me atiraram a pedra que levantaram contra Maria Madalena, senti o peso da infelicidade que só era minha porque eu a acolhera – ajoelhei-me e rezei, era tudo. Era tudo o que eu poderia fazer para esquivar-me de tal suplício; suplício de vida que eu já vivia há muito tempo. Tempo entorpecido pelo veneno que agora sugavam de minhas veias, e minha alma que voltava, mal pude ver e já me voltava. E como, meu Deus, eu a perdera e nem percebera. Oh, mundo de horror que agora não vivo mais. Tamanho horror foi revelado a mim, naqueles minutos intrisecantes em que estive na gruta que me era ao avesso. Eu estava sendo-me todo ao avesso e era este, e apenas este o caminho para a fonte de água límpida; de alma lavada. Eu beberia a água da fonte, eu comeria minha própria alma que já não me era. E então, subitamente, a luz se acendeu – eu estava de volta aos ossos secos. Então, eu, apenas jurado daqueles que vivem, estava sendo testado pruma nova vida (pruma nova casca) que me servira perfeitamente. Eu, agora que me reconhecera no “...felicidade somos nós.” Eu seria, então, toda essa felicidade que somos nós. Ou não, ou eu apenas abriria os olhos que já estavam cerrados há muito tempo. Ou não, ou eu apenas esperaria sentado, mais alguns segundos, então eu voltaria como se nada houvesse mudado – mas havia, não havia? Havia me transfigurado na frase que agora me era como a água. E a fonte? E a fonte já fora esquecida assim que a encontrei, encontrei água pura de alma. E nunca senti a felicidade tão perto, pois eu a seria enquanto ela me fosse, e seria rápido. Eu sabia que seria rápido. E foi passando, e foi passando e me levando junto – mas não fui. Permaneci ali, sentado – me segurei ao pé da mesa que já era toda contorcida. Eu me segurei e vi a felicidade, olhei para frente e vi o seu reflexo no espelho e, para meu espanto – não era eu.

domingo, 5 de junho de 2011

Clichê.

E a gente vai sempre lembrar. E relembrar. Às vezes a gente vai querer esquecer só pra lembrar de novo. Quando lembrar-mo-nos, lágrimas vão dançar por nossos rostos. Então a gente vai parar, a gente vai começar a andar - seguiremos em frente. Ficaremos mais distantes, dispersar-nos-emos. E aquela, e aquela parte minha que há em você e aquela sua que vive em mim, perdê-la-emos? E aí a gente vai deixar de ser a gente pra ser alguém que o mundo nos fez. É aí, nesse ponto, que eu já nem saberei mais quem eu sou e serei só mais um, como todos. A gente vai perder muitos sonhos, e vai ganhar outros que julgaremos ‘melhores’ e no fim, nunca saberemos. Porque nunca tivemos e nunca fomos o que seríamos nós. E mais lágrimas rolarão, e mais sentimentos serão esquecidos. Chamaremos nossos domingos vazios de nostálgicos e, em certas ocasiões o odiaremos por tanta falta sobrando. E o tempo vai passar, ainda mais, e nós já não derramaremos lágrimas. Mas eu sei, ainda vai faltar, ainda que a alma não chore, ainda vai faltar o que eu deixei com você e o que você deixou comigo que se perdeu em nós - que também se perdeu. E às vezes eu pensarei “Venha, venha que eu ainda te espero. Eu ainda ando por aí procurando por você, e eu, antes de dormir, ainda olho a rua vazia esperando por sua alma bailarina vir me visitar.” É quando eu imaginarei você com seu marido sem rosto, e imaginarei você sorridente com seus filhos, dançando e brincando como quando éramos apenas nós. Dois. E eu rirei, meus olhos lagrimejaram, eu sorrirei por você estar feliz dentro de mim. E talvez eu vá a conhecer alguém, e alguém talvez venha a me conhecer. E talvez eu saiba, e talvez eu redescubra um rascunho de felicidade. Talvez eu possa ver um começo de felicidade, enquanto penso que, jamais serei felicidade completa. Jamais serei o ápice que era quando era com você. Então eu olharei para você quando, ao fim de um dia exaustivo, olhar para o céu estrelado. Verei-te com seus filhos, sorrindo para mim com tal olhar consolador que só você seria capaz de dar-me. Sorrirei de novo e dormirei. Acordarei em minha cama, vazio de vivacidade a espera do escuro vazio do desconhecido, eu esperarei pela morte. Esperarei pela morte vendo você rir e sorrir para mim, e quando a morte finalmente chegar, eu sei, finalmente eu serei completo com você, finalmente eu deixarei você ir. Deixarei que a última lágrima caia.