segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"Entre uma oração e outra, você voltaria." Era bom acreditar.


Ora, um dia algo acontece.                             Ele estava quase sem forças para acreditar.
Nunca se encaixou, nunca gostou do que todos gostavam. Quase não saía, e se saía nada acabava bem – lágrimas pareciam ser tudo o que ele tinha. Perdia-se nas palavras, corria atrás delas; faminto. (E bla, bla, bla.) Essa história, esses pensamentos são meus, não é sobre ele ou ela, é sobre mim. Porque eu não aguentava viver atrás de pessoas, eu não conseguia mais me escrever em outras linhas. Porque tudo o que se passa sou eu, eu estou passando e tudo tem ficado cada vez mais pesado de se levar. As coisas, quase todas as coisas me afetavam, eram indiretas que não eram pra mim – sim, elas eram. Todas elas eram para mim, eu, fraco e absorvido por meus dias era alvo de toda e qualquer coisa, mesmo não sendo. Eu havia me acostumado às mesmices dos dias e noites trocadas. Eu poderia existir por anos, eu quase não tinha forças para me importar. Tudo morria.
Foi quando você com aquele jeito idiota de quem não sabe o que quer, apareceu. Nossos olhos medrosos podiam tocar-se, eles dançavam na chuva. Você apareceu e me tomou. Bebeu-me como água revigorante direto da nascente. Fez brotar em mim algo que jamais morreria – mas que, talvez, não desse frutos para sempre. Eu dei meus primeiros passos, eu reaprendi a falar junto a você. Aquelas manhãs ensolaradas e aquele meu coração que voltava a bater. Os dias chuvosos de repente tornaram-se calorosos e até mesmo as lágrimas secaram. A vida começava a ser boa.
Pena que mesmo em sonhos e fantasias há um fim.
Brigas tolas, pequenos desejos insaciáveis. Eu te desejava dia e noite e você... Eu tinha você junto a mim e era o que importava. (Não, era mais que isso, eu sabia que precisava de mais sentimentos para te ter, realmente, comigo.) Eu me rendia ao possível amor, era escravo de um sentimento – de outro sentimento. Eu conhecia o rascunho dessa dor; eu podia imaginar as histórias e os romances, e estes, me assombravam. A dor que outrora eu pensava ser verdadeira, descobri agora, era pura imitação barata. Você estava cada vez mais distante e eu ainda implorava para mim, para que fizesse algo; que pelo menos uma vez corresse atrás... Mas, eu não poderia.
Você pode ver? Você pode me ler aqui?
Eu ainda vejo as ruínas dos restos daquele sentimento vívido. Eu ainda tenho medo de como as coisas podem começar e o final truculento que elas podem ter, eu tenho medo. Porque nós éramos felizes e de repente tudo se tornou pó. Como se fossemos dois estranhos; encontramo-nos e dissemos adeus. Eu soube que nunca mais haveria chance alguma, e não houve. Porque eu sempre soube que um dia algo aconteceria e eu conseguiria acabar com tudo, mesmo amando cada segundo da minha nova falsa vida. Já não existe mais lágrimas, mas eu ainda estou aqui. E você aí, inerte de tudo que escrevo e que ainda lembro e que ainda sinto medo. O amor aconteceu, mas ele se afogou em mim.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Cachos desenrolados.

Ela, que vivia com suas fitas vermelhas presas no final de cada trança...

...ela que conhecia apenas o sabor da felicidade, que gostava do cheiro de terra molhada e de morangos; amou, pela primeira vez, quando o viu. Sentiu de súbito um sentimento que a apunhalava com socos e murros no estômago. Ela que a princípio parecia entender o amor, estava com sua inocência prestes a morrer. Sua vida se resumira a bajulações de sentimentos bons e, talvez, superficiais. Poucas vezes chorara, e se chorara fora por algum ferimento que se fez ao correr atrás de borboletas. Agora havia esse novo sentimento com tom de inexplicável; havia anjos e demônios que lutavam em seu interior. Era mórbido, mas que trazia vida; uma vida que ela nunca vivera. 
Estavam matriculados na mesma escola, porém, ele era dois anos mais velho que ela. Ela queria tocá-lo, ou ao menos falar com ele. Estava perdendo o controle do que sentia e a verdade tornava-se abstrata para ela. Sentia uma felicidade instantânea perto dele – mesmo sendo agredida por murros no estômago. Seus encontros eram calados, tocavam-se pelos olhares imperfeitos e medrosos. Eles nunca haviam se falado, mas se conheciam. Sabiam o nome um do outro, e parecia suficiente. (Claro que não, nunca seria suficiente para ela – ela queria vivê-lo.) Aos poucos se tornava possessiva, possessiva de uma coisa que não era dela. Aos poucos ia morrendo pelo suplício de amá-lo e não poder gritar. Ele a olhava e eu, mesmo eu, não sabia o que ele sentia. Tornara-se grande criadora de histórias - passava suas noites imaginando seus encontros com o garoto com o qual nunca falara. Imaginava como seria seu primeiro beijo e se haveria morangos por perto. (Se estivesse chovendo seria perfeito para ela.) Imaginando fatos falsos e impossíveis, assim ela vivia. Doía, mas era bom. Ela gostava daquela dor que outrora nem imaginava existir. Sabia, porém, que essa dor sempre fizera parte dela, que estava ali esperando pelo momento de se emaranhar junto à sua felicidade – que daria origem ao amor. Eles se viam todos os dias e se permitiam a audácia de se sentarem cada vez mais perto nos intervalos entre os sinais. Entre os olhares cortados pelo temor de algo que não sabiam o nome, estava o amor. Aqueles olhos e aquela boca não saiam da menina. Ele flutuava em seus olhos e ela vivendo nele, não poderia viver vida alguma. Ela tinha cabelos castanhos escuros e uma inocência temporária. Ele, com seus cabelos castanhos claros e suas ‘pintinhas no nariz’, era doce e afável – que a fazia sucumbir ao amor. 
Após meses de insônia, falaram-se. Uma conversa muito longa que continha apenas “oi”. Foram apresentados por amigos, mas eram tímidos demais para desenvolverem algum tipo de assunto entre si. Ela deixaria mesmo a timidez interferir em seu amor? Ela queria viver aquele amor com todas as forças que ainda restavam e que estavam lá, aguardando para serem usadas. Mas havia algo que gritava desesperadamente para que ela fugisse. Decidiu esperar. Passaram-se dias e dias. Olá e oi; sorrisos.
Domingo ensolarado. A menina dos cabelos castanhos decidiu-se ir à sorveteria chupar seus – seus – sorvetes de morango. Sentada em um banco da pequena praça da cidade, apreciava seu sorvete e ao seu lado havia um livro ao qual fazia questão de ler aos domingos. Logo, percebeu ao longe dois borrões – um parecia familiar – ao aproximarem-se, dos borrões fizeram-se figuras. Agora a menina sabia quem era. Um menino de cabelos castanhos claros de mãos dadas à outra menina caminhavam em direção à pequena praça. Seus olhos transbordaram em lágrimas, ela não queria acreditar que os dois, os dois... Olhou-os mais uma vez e viu o que ainda tenta esquecer; eles beijavam-se e pareciam felizes. Ela não queria aquilo, ela não queria que eles fossem felizes. Nunca havia desejado infelicidade a alguém, mas ela não poderia ser feliz sem ele. Ela o queria para ela, o queria inteiro. Já não eram murros no estômago, eram espadas que atravessavam e dilaceravam seu coração. Ela pensava não existir sem ele; mesmo nunca o tendo. Não queria mais o amor; dispensava-o. Doía, mas nunca havia doido assim... Nunca havia doido dor de morte. Seus sonhos e histórias impossíveis escorriam dos olhos; ela não queria mais. Correu para casa na esperança de que o menino não a tivesse visto chorar, mas isso não importava mais. Queria encontrar seu conselheiro, seu professor e seu amigo. Queria chorar em seu travesseiro, queria gritar e expulsar aquilo que sentia; não podia. Em casa ainda chorava e, quando faltavam lágrimas, sangrava por dentro. O domingo passou. Na escola a única peça que existia era seu corpo; sua alma estava perdida em uma praça. (Embora ainda houvesse lágrimas.)
Foi destruída pela dor, mas iria se recuperar. Ela era jovem, ela era menina, ela tornava-se mulher.

Alguns meses se passaram e a dor tornava-se escassa; percebeu que a vida estava apenas começando. Foi quando sua alma ganhou novas asas - seu corpo não estava mais vazio.

Dispensara seus laços vermelhos e já não corria mais atrás de borboletas.
O amor havia morrido.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Súplica do suplício.

Na calada da noite... Não, ela não era calada.
Pois havia vozes que não eram humanas, eram sobrenaturais. Não eram confortáveis, eram vozes inaudíveis que faziam de seu silêncio algo perturbador. Com seus gritos elas me chamavam e eu me reconhecia nos destroços das pseudo vozes. Elas não me vinham de dia – era na noite que se entorpeciam com a força da escuridão. Elas queriam me levar para as trevas e eu estava, realmente, me perdendo. Elas não me deixavam dormir, eu estava preso a realidade de quem só acorda e nunca dorme. O som estrondosamente maléfico permanecia em mim. Algumas vozes podiam me tocar – o arrepio era o sinal de que eles estavam por perto. Eles chegaram, eu pensava. Eu sentia medo, meus olhos tinham medo, minha boca tremia. Era como um estado de sonho-realidade, um estado que só é possível viver quando se está na linha tênue que separa os sonhos da realidade. Era aí que nas noites eu vivia.
 Eu nunca acreditei em monstros do armário, mas eu estava por um triz de me render a esse medo infantil.  A luz era apagada e então era hora dos estampidos e barulhinhos identificáveis brilharem. Almas dançavam pelo quarto – elas me observavam à noite toda. Por que, meu Deus, por que eu? Nunca houve resposta. Pareciam felizes me vendo, vendo o meu terror ao olhar e não vê-los e mesmo assim, poder ouvi-los. Eu vivia as mínguas, de dia morto-vivo e à noite sonâmbulo medonho. Eu precisava viver, eu clamava para que elas fossem embora. Eu não tinha força para combatê-las – a chama dos sonhos se apagara em mim. Não podendo vencer, eu os abrigava em mim e, com medo, não permitia que eles fossem embora – pois era a única coisa que havia me restado.
 Aos poucos a intensidade aumentava e, quando percebi, eles já me tocavam por inteiro. Eu me martirizava com meus demônios, eram meus e só meus. Alguns deles me batiam, outros me comiam e havia os que só olhavam e riam. Demônios viviam do sadismo e eu não podia lutar. No fim da noite - à aurora do dia - eles iam embora, e uma luz suave se abatia sobre mim... me fazia levantar das cinzas para mais um dia de morta realidade e para mais uma noite de tormenta. Às vezes eu suplicava para que fossem embora e me permitissem, pelo menos por algumas horas, me permitissem dormir. Eu precisava mais que tudo, voltar a sonhar. 
 Foi quando percebi que eu podia deixá-los, mas eu não queria.
 Porque afinal, eles eram meus. Eram meus demônios saltitantes, peregrinos que voltavam sempre para mim. E apesar de me machucarem, eu sabia que eles me amavam e que eram os únicos no mundo que precisavam de mim. Eles eram os únicos que se preocupavam quando eu não voltava para casa. A luz que me reerguia era apenas reflexo do bem que o mal, às vezes tenta fazer. Percebi que não eram eles que me privavam de sonhar, eu é que não tinha mais forças para aguentar os pesadelos.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Brasas de fogo dançam pela escuridão.

Londres, 12 de janeiro de 1997.

As palavras soaram tão forte que não foi possível conter as lágrimas. Elas vieram e aos soluços confessou tudo o que se passava em uma única palavra.

(Certo dom que pertence às pessoas que reúnem seus males e os ocultam... não para sempre.)

- Na... não.

Não teve forças para olhar nos olhos dele, mas percebeu que lágrimas também escorriam daquele rosto que antes esbanjava alegria e que agora parecia ter afundado – afundado em um rio estranho de incompreensão e desespero. Ela se lembrou da primeira vez que o vira. Olhou então para a platéia que assistia, espantada, percebeu que não os conhecia. Agora enxergava os rostos mal feitos que aqueles sorrisos outrora escondiam. Cílios postiços e maquiagens não podiam mais encobrir o terrível rosto dos desconhecidos. O que foi que eu fiz? Pensou ela. Os fleches chegavam às suas retinas e tudo que podia enxergar eram borrões, apenas.

Mesmo cega, correu, correu para o além, para um lugar que nem ela conhecia.

Seria esse o sentimento de abraçar a liberdade?

Felicidade.

Londres, 23 de outubro de 1995.

Em um dos bares de Londres havia uma garota-mulher, sentada defronte ao bar, esperando por sua próxima presa. Seus cabelos, tão negros quanto à noite. Seus olhos, ah os seus olhos! estes eram sedutores, causavam êxtase. Assim como seu corpo - que esbanjava um tipo de voluptuosidade natural. Esta era a dama da noite, sereia dos bares de Londres.

A porta do bar escancarou-se.

Um rapaz, um vazio. Jovem amante dos sorrisos roubados. Sentou-se ao lado de nossa dama – sem intenção de persuadi-la como todos os outros. (Talvez seja este o motivo do sentimento que estava prestes a visitar nossa garota-mulher, uma vez que ela sempre fora o ponto de atenção para todos os homens que ali entravam.)

- Uma dose de tequila, por favor. Pediu o rapaz, com a voz embargada.

Nossa sereia olhou-o e chocou-se; viu lágrimas.

Quem melhor para curar um coração despedaçado se não nossa dama da noite?

Após um tempo percebeu que atrás das lágrimas se escondiam lindos olhos azuis – apaixonantes. Aproximou-se do rapaz que já virava sua segunda dose de tequila garganta a baixo. -Silêncio-. Entreolharam-se por segundos e embora nunca tivessem se visto antes pareciam já se conhecerem. (Clichê, mas o amor foi sim banalizado.) Um sentimento que nossa sereia desconhecia palpitou em seu coração; para o rapaz foi como um renascer de um sentimento ferido e devorado.

As lágrimas cessaram.

Faíscas.

Nesta noite, um rapaz de lágrimas aceitou ser adotado por uma sereia. E uma moça-mulher deixou-se ser apunhalada pelo desconhecido - entregou-se a uma possível felicidade. Mas havia dúvidas, muitas dúvidas. (Para o rapaz havia certezas – certezas demais para apenas uma noite.)

Pena que o jovem rapaz não tivera tempo de descobrir que sua recente amada era dama da noite e que seduzira centenas de homens – e os descartara também. Sádica e ardil.

Jogar e somente isto lhe dava prazer.

Mas esse seria mesmo só mais um? Nossa dama não soube responder.

Borboletas.

Dos meses que se seguiram o bar não pode apreciar a presença de nossa dama. Ela se encontrava em lugares mais aconchegantes, agora tinha outros planos para suas noites; deleitava-se com um único rapaz, um rapaz de lágrimas.

Mas, nem todas as noites são de verão, certo?

Londres, 05 de janeiro de 1996.

Sem rumo, sem destino. Perdidos, uma moça-mulher e um rapaz de lágrimas. Perdiam-se para se reencontrarem um no outro. Nunca poderiam ser dois uma vez que juntos fossem um.

Corações purificados e almas apaixonadas dançavam pelas ruas de Londres.

Corpo a corpo, alma a alma, coração a coração. Deleitavam-se do amor, o amor. Como eram felizes aqueles peregrinos de corações. Como se amavam. (Amar? Era mesmo amor? Era sim, mas não há amor que dure para sempre – fantasmas sim.)

E que fique registrado: um dia o amor foi bom.

Pirilampos.

Londres, 23 de fevereiro de 1996.

Haviam se conhecido há tão pouco tempo, mas o amor brilhava nos sorrisos dos dois. Corriam, brincavam, pulavam, se divertiam como crianças – sim! voltaram a serem crianças. Reviveram aquele sentimento que só existe quando somos crianças – a gente insiste em ignorá-lo quando cresce. Sabe aquela felicidade de tomar banho de chuva? E aquela outra de brincar com o cachorro? Fazer brigadeiro e se lambuzar de chocolate, sabe? Andar pela beira da praia e sentir a maresia do mar. Sentar em bosques e ficar esperando, e só. Correr pro nada. Eles voltaram a sua infância, o amor fazia deles patéticos. Mas era assim, eram felizes. Não importava como e não havia o porquê, continuariam sendo felizes e nada mais importaria.

Porem, os dias estavam sendo perfeitos demais e nossa dama da noite mais que ninguém sabia que sonhos bons – e ruins – sempre têm fim. (Pelo menos para ela.)

Mas aquilo era mesmo um sonho? Será?
Às vezes de tão surreal nossa realidade faz-se sonho. Mas.

Rosas.

Londres, 16 de abril de 1996.

 Fazia sol - não em todos os corações.

Num parque aplacado, nossa dama da noite repousava sobre a perna do garoto de lágrimas. Havia árvores, e havia folhas. Mas havia uma em especial, uma árvore que estaria sempre ali. Memórias iriam mantê-la viva – e se memórias também morressem? O vento soprou para eles, ventou – aquele vento que parece levar todos nossos temores. Mas não levará os dela, não. Os temores de nossa dama eram pesados demais para se deixarem levar por singelos ventos. Debaixo da árvore habitavam duas crianças, mas uma delas parecia estar envelhecendo novamente. Pouco mais acima estavam dois nomes, dois apelidos, dois amantes centralizados dentro de um possível e desorganizado coração. (Árvores marcam a infância de todos nós.) O amor que outrora fora jovem envelhecia a cada segundo.

- Eu te amo. Disse o rapaz, seus olhos refulgiam assim como seu nobre coração.

Ela sorriu e tentou dizer, apenas tentou.

- Eu, bem... Desviou o olhar, e como em todos os casos procurou pelas palavras certas – não às encontrou – decidiu optar por sua única fuga.

Silêncio.

Ele entendeu – pensou entender.  Mas nossa garota-mulher que sempre se encontrou achava-se perdida agora.

Não era como antes, ela sabia. As noites de verão chegaram ao fim, e agora, era apenas ela e um sentimento de liberdade que a empurrava cidade a fora – sozinha. As dúvidas tinham voltado e a esperança para que encontrasse todas as respostas no rapaz – mais uma vez – estavam esgotando-se. Mas não podia deixá-lo, não podia destruir alguém que lhe trouxe de volta um sentimento tão puro, tão vivo. Não podia destruir uma árvore. Ele era um bom rapaz.

Pena que em Londres, bons rapazes sempre acabem em bares, no final.

Porque afinal, ninguém sai incólume quando há amor. Ninguém sai incólume quando há sentimento.

Cinzas.

 Londres, 22 de junho, 1996.

Chovia. Mas estavam seguros dentro do quarto que presenciará longas noites de sensualidade e principalmente de amor. (Não era só sexo, era amor. Era.) Entrelaçavam-se aquecendo um ao outro. Nossa dama agora tinha certeza de sua infelicidade, mas despedaçar corações não era mais sua especialidade. Quando o beijava não podia mais senti-lo; era só um beijo sem o tremor da louca e mórbida paixão. Embora para ele fosse sempre como da primeira vez, como aquele dia... aquele dia em um certo bar. Ele não cansava de olhá-la – nossa sereia dos bares havia hipnotizado mais uma presa, realmente. Infelizmente para ele aquele sentimento estereotipado estaria sempre ali, intacto.

-Nós precisamos conversar. Disse ela.

-Sempre que quiser, meu doce. Com o mesmo sorriso bobo de sempre, sussurrou o rapaz.

-Bom, eu... Eu. As palavras doíam, elas simplesmente se prenderam e não desgrudaram de sua língua.  

-Eu também te amo. Disse ele, mais uma vez, entendendo tudo errado.

(Existe um perigo enorme ao transformar meias-verdades em verdades completas.)

Logo viria o pedido, logo viria o suicídio em palavras. Logo chegaria o momento em que nossa dama desejaria nunca ter vivido – pois para toda vida há uma morte.

Presságios.

Londres, 26 de agosto de 1996.

Às vezes o momento chega mais rápido do que imaginamos; como agora.

Chovia forte, mas não importava; o rapaz estava tão feliz que nada o deteria naquela noite.
Os bolinhos estavam sobre a mesa esperando por eles. Nossa dama repousava sobre uma poltrona vermelho-vinho com pequenos detalhes dourados, rasgada e com aquele cheirinho agradável de móveis antigos. Ele olhava pelo vidro sem enxergar, apenas esperando pelo momento.

Em uma velha cabana duas vidas prestes a mudar.

Repentinamente o toca disco – que nossa dama não notou a existência – foi ligado por ele, surpreendendo-a.

How Deep Is Your Love - Bee Gees

A música saltitava de ouvido a ouvido, os dois entreolhavam-se. Quase lá.

Ele estendeu a mão em sua direção, ela recusou. Ele insistiu, e ela, não resistindo ao seu ímpeto levantou-se; logo estavam dançando em uma pequena sala onde a luz da lareira faiscava e, nas paredes de madeira viam suas sombras. Era tão patético dançando desajeitado e duro. Mas não importava – para ele nada mais importava.

- Mas se houver você, sempre haverá esperança. Sussurrou ele em seus ouvidos.

A música chegou ao seu fim. O início para ele.

É chegada à hora. Dilacerar. Olhar. Correr.

Ajoelhou-se, olhava direto aos olhos dela – havia medo, mas havia esperança. Ela não acreditava no que estava prestes a acontecer, ela não queria, não podia. Ela que sempre foi tão ríspida e cruel com todos os homens, agora era traída por uma compaixão femininamente idiota.

O gradativo do amor que morria gradativamente. O amor de nossa garota-mulher, espúrio, não podia mais suportar. As ruínas não aguentavam mais serem ruínas. 

Ele tirou do bolso duas alianças, elevou o braço até que ela pudesse ver claramente – eram alianças douradas. Os olhos do rapaz brilhavam – lágrimas? Ainda não.

- Você aceita? Aceita se casar com o idiota do bar?

Explosão.

As sombras na parede, assim como os estampidos do fogo, desapareceram para ela.

- Eu, eu, eu não sei o que dizer. Disse ela, perdida e com medo.

- Diga que me ama e que me quer como seu. Diga que nós poderemos ficar juntos para o sempre e que o sempre venha e que nos leve, e que nós sejamos felizes enquanto estamos e enquanto formos. Porque eu te amo e você é tudo o que eu sempre quis, você, dama do bar é meu amor, minha vida, é meu mundo. Não posso mais segurar esse sentimento que corre pelas minhas veias, eu não posso mais esperar.

As amigas do jovem estavam de volta; lágrimas.

- Eu... Estou confusa. Ela tremia, sua cabeça doía e girava. Eram tantos sentimentos.

Buscava a saída, mas...

- Eu te amo mais que tudo, eu te amo mais que a mim. Porque eu não existo quando você não está. Eu não vejo cores sem você. Eu quero você comigo todos os dias. Eu quero que você seja minha e que eu seja seu. Você sabe que eu morreria por você. Você já tem meu coração, você já tem minha vida. Você me tem. Deixe-me tê-la. Permita-nos sermos felizes. Permita-se. Disse ele, desesperado.

Ela não conseguiu falar, mas acenou com a cabeça. Os olhos? Estes não se enxergavam, dispersos em meio às lágrimas. Ele a abraçou, vibrando – tremendo.

Ele, aparentemente, conseguira o desejo de sua vida. Ela conseguira apenas mais uma mentira – um passaporte para o vazio que há tempos tentava fugir.

A data seria 12 de janeiro de 1997. Sem noivado, sem conhecer a família do rapaz, ela aceitou. Aceitou sem dizer nada. Omitir nunca lhe havia custado tão caro.

E tudo aconteceu como deveria acontecer.

Ela, que a princípio tinha salvado alguém percebeu que ela é que tinha sido salva.

E enfim alguém morreu para que outra nascesse.

Não havia mais rapaz de lágrimas e muito menos dama da noite.

Agora existia um vazio e um coração.

Liberdade.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Apenas marionetes cegas.

Eu não podia reconhecê-los e, apesar de ser um baile de máscaras, havia algo mais nos olhos dos adolescentes.

Não era como todos os outros dias do ano letivo, agora expeliam certo tom de menosprezo e repugnância pelos olhos - eram olhos tão negros. Agora estavam protegidos por suas máscaras – sobrepostas às suas outras máscaras da vida. Eram tão invencíveis quanto formigas, a meu ver.

Todos impecáveis, mas sempre havia alguém que pensasse – só pensasse – ser melhor que outro alguém. (Esse pensamento muitas vezes era aceito pelas pessoas mais fracas, mais inocentes que, ao aceitá-lo sentiam-se como lixo.) Um ciclo que só terminaria na convocação de um rei e uma rainha do tão esperado baile – só terminaria quando todos achassem alguém para quem se curvariam. Todos ansiosos para conhecer o ganhador, todos tão superficiais.

Mas, o que realmente é ganhar alguma coisa? O que é, realmente, ganhar um baile?
Prestígio? Auto-reconhecimento? Poder?

Vi pessoas que outrora sorriam, mas que agora pareciam tão tristes quanto quando se perde alguém. Eu vi a inocência escorrendo pelos rostos dos que choravam por vergonha de ser quem eram. Eu vi o poder que os mais fortes possuem sobre os mais fracos – de alma.

Choravam pelo corpo que tinham e eu me perguntava o porquê.
Vi pessoas lindas se torturando para possuírem uma pseudo perfeição.

Eu não era nada, mas eu podia enxergar – eu parecia ser o único a enxergar. Eu podia enxergar o sofrimento nos olhos daqueles que buscavam a aceitação da sociedade escolar. Eu enxergava grupos de pessoas rindo de outros grupos – não pareciam ser da mesma espécie. Grupos, todos estavam divididos em grupos. Grupos que exigiam certas qualidades das pessoas que o integravam. Eram regras absurdas, e mesmo assim, havia quem chorasse pelos grupos. Idiotas mesquinhos, covardes que venderiam a alma por um pedaço de nada.

Pessoas rindo, pessoas caindo, pessoas zombando, pessoas desprezando. Não havia pessoas.

Mas, por quê? Por que as pessoas abandonariam suas vidas para aderirem a uma vida que não é delas? Por que querer ser outro alguém? Eu não sabia por que pessoas boas queriam tornarem-se pessoas más.

Havia tanta indiferença entre eles. Logo percebi que não estava mais em um baile, agora tudo estava em ruínas. Havia um ringue e havia seus lutadores. Mas não havia um prêmio, pelo menos, não algum que valesse a pena lutar. Mas eles não enxergavam, eles não podiam enxergar.

As luzes acesas e a atenção voltada ao palco - anunciariam quem seriam os “ganhadores”. A platéia não aguentava mais esperar, mas no fundo todos sabiam quem ganharia. A escola já tinha sua favorita e seu favorito. (Ainda havia esperança, havia.) Uma voz soou:

- O rei e rainha deste baile são...

(Não é necessário lembrar nomes. Mas eu tomei a liberdade de classificá-los como Senhor e Senhora Superficialidade.) 

Mesmo tristes as pessoas aplaudiam, mas não por educação. Aplaudiam pelo único fio de esperança que lhes havia restado – esperança de fazer parte dos tais grupos. Eu não podia acreditar que pudesse haver pessoas como eles. Havia pessoas que humilhavam e havia pessoas que se deixavam serem humilhadas.

Mas, qual deles é pior? Quem atira a pedra ou quem se ajoelha para ser acertado?

Por um segundo eu tive curiosidade, por um segundo eu quis conhecer o sentimento de subir ao palco e ser aplaudido. Quis saber como o Sr. e Sra. Superficialidade se sentiam. Mas então eu percebi que, para subir ao palco era necessário mais do que eu tinha, era necessário beber o seco – era necessário ser como todos queriam que você fosse.

Eu nunca poderia vestir aquela mera coroa que, apesar de ser de plástico, representava uma vitória de soberba futilidade. Eu nunca poderia ser igual a eles, porque afinal, eles eram iguais a todo mundo. Mas para eles, o todo mundo jamais seria como eles.

Foi quando me dei conta de que, no final das contas, às coisas serão para sempre assim.
Haverá dois lados. Haverá quem se sobressaia. Haverá vencedores de bailes. Haverá quem chore por bailes. Haverá quem queira ser outro alguém. Haverá quem não se reconheça. Haverá quem mude por grupos. Haverá grupos. Haverá tristeza. Haverá submissos. Haverá quem se julgue imperador. Haverá cegos. E, embora poucos - haverá quem enxergue. 

No fim, todos são marionetes que dançam conforme o ritmo de um som inaudível.
(O bom de poder enxergar é que se pode também ouvir.)