sábado, 12 de fevereiro de 2011

Brasas de fogo dançam pela escuridão.

Londres, 12 de janeiro de 1997.

As palavras soaram tão forte que não foi possível conter as lágrimas. Elas vieram e aos soluços confessou tudo o que se passava em uma única palavra.

(Certo dom que pertence às pessoas que reúnem seus males e os ocultam... não para sempre.)

- Na... não.

Não teve forças para olhar nos olhos dele, mas percebeu que lágrimas também escorriam daquele rosto que antes esbanjava alegria e que agora parecia ter afundado – afundado em um rio estranho de incompreensão e desespero. Ela se lembrou da primeira vez que o vira. Olhou então para a platéia que assistia, espantada, percebeu que não os conhecia. Agora enxergava os rostos mal feitos que aqueles sorrisos outrora escondiam. Cílios postiços e maquiagens não podiam mais encobrir o terrível rosto dos desconhecidos. O que foi que eu fiz? Pensou ela. Os fleches chegavam às suas retinas e tudo que podia enxergar eram borrões, apenas.

Mesmo cega, correu, correu para o além, para um lugar que nem ela conhecia.

Seria esse o sentimento de abraçar a liberdade?

Felicidade.

Londres, 23 de outubro de 1995.

Em um dos bares de Londres havia uma garota-mulher, sentada defronte ao bar, esperando por sua próxima presa. Seus cabelos, tão negros quanto à noite. Seus olhos, ah os seus olhos! estes eram sedutores, causavam êxtase. Assim como seu corpo - que esbanjava um tipo de voluptuosidade natural. Esta era a dama da noite, sereia dos bares de Londres.

A porta do bar escancarou-se.

Um rapaz, um vazio. Jovem amante dos sorrisos roubados. Sentou-se ao lado de nossa dama – sem intenção de persuadi-la como todos os outros. (Talvez seja este o motivo do sentimento que estava prestes a visitar nossa garota-mulher, uma vez que ela sempre fora o ponto de atenção para todos os homens que ali entravam.)

- Uma dose de tequila, por favor. Pediu o rapaz, com a voz embargada.

Nossa sereia olhou-o e chocou-se; viu lágrimas.

Quem melhor para curar um coração despedaçado se não nossa dama da noite?

Após um tempo percebeu que atrás das lágrimas se escondiam lindos olhos azuis – apaixonantes. Aproximou-se do rapaz que já virava sua segunda dose de tequila garganta a baixo. -Silêncio-. Entreolharam-se por segundos e embora nunca tivessem se visto antes pareciam já se conhecerem. (Clichê, mas o amor foi sim banalizado.) Um sentimento que nossa sereia desconhecia palpitou em seu coração; para o rapaz foi como um renascer de um sentimento ferido e devorado.

As lágrimas cessaram.

Faíscas.

Nesta noite, um rapaz de lágrimas aceitou ser adotado por uma sereia. E uma moça-mulher deixou-se ser apunhalada pelo desconhecido - entregou-se a uma possível felicidade. Mas havia dúvidas, muitas dúvidas. (Para o rapaz havia certezas – certezas demais para apenas uma noite.)

Pena que o jovem rapaz não tivera tempo de descobrir que sua recente amada era dama da noite e que seduzira centenas de homens – e os descartara também. Sádica e ardil.

Jogar e somente isto lhe dava prazer.

Mas esse seria mesmo só mais um? Nossa dama não soube responder.

Borboletas.

Dos meses que se seguiram o bar não pode apreciar a presença de nossa dama. Ela se encontrava em lugares mais aconchegantes, agora tinha outros planos para suas noites; deleitava-se com um único rapaz, um rapaz de lágrimas.

Mas, nem todas as noites são de verão, certo?

Londres, 05 de janeiro de 1996.

Sem rumo, sem destino. Perdidos, uma moça-mulher e um rapaz de lágrimas. Perdiam-se para se reencontrarem um no outro. Nunca poderiam ser dois uma vez que juntos fossem um.

Corações purificados e almas apaixonadas dançavam pelas ruas de Londres.

Corpo a corpo, alma a alma, coração a coração. Deleitavam-se do amor, o amor. Como eram felizes aqueles peregrinos de corações. Como se amavam. (Amar? Era mesmo amor? Era sim, mas não há amor que dure para sempre – fantasmas sim.)

E que fique registrado: um dia o amor foi bom.

Pirilampos.

Londres, 23 de fevereiro de 1996.

Haviam se conhecido há tão pouco tempo, mas o amor brilhava nos sorrisos dos dois. Corriam, brincavam, pulavam, se divertiam como crianças – sim! voltaram a serem crianças. Reviveram aquele sentimento que só existe quando somos crianças – a gente insiste em ignorá-lo quando cresce. Sabe aquela felicidade de tomar banho de chuva? E aquela outra de brincar com o cachorro? Fazer brigadeiro e se lambuzar de chocolate, sabe? Andar pela beira da praia e sentir a maresia do mar. Sentar em bosques e ficar esperando, e só. Correr pro nada. Eles voltaram a sua infância, o amor fazia deles patéticos. Mas era assim, eram felizes. Não importava como e não havia o porquê, continuariam sendo felizes e nada mais importaria.

Porem, os dias estavam sendo perfeitos demais e nossa dama da noite mais que ninguém sabia que sonhos bons – e ruins – sempre têm fim. (Pelo menos para ela.)

Mas aquilo era mesmo um sonho? Será?
Às vezes de tão surreal nossa realidade faz-se sonho. Mas.

Rosas.

Londres, 16 de abril de 1996.

 Fazia sol - não em todos os corações.

Num parque aplacado, nossa dama da noite repousava sobre a perna do garoto de lágrimas. Havia árvores, e havia folhas. Mas havia uma em especial, uma árvore que estaria sempre ali. Memórias iriam mantê-la viva – e se memórias também morressem? O vento soprou para eles, ventou – aquele vento que parece levar todos nossos temores. Mas não levará os dela, não. Os temores de nossa dama eram pesados demais para se deixarem levar por singelos ventos. Debaixo da árvore habitavam duas crianças, mas uma delas parecia estar envelhecendo novamente. Pouco mais acima estavam dois nomes, dois apelidos, dois amantes centralizados dentro de um possível e desorganizado coração. (Árvores marcam a infância de todos nós.) O amor que outrora fora jovem envelhecia a cada segundo.

- Eu te amo. Disse o rapaz, seus olhos refulgiam assim como seu nobre coração.

Ela sorriu e tentou dizer, apenas tentou.

- Eu, bem... Desviou o olhar, e como em todos os casos procurou pelas palavras certas – não às encontrou – decidiu optar por sua única fuga.

Silêncio.

Ele entendeu – pensou entender.  Mas nossa garota-mulher que sempre se encontrou achava-se perdida agora.

Não era como antes, ela sabia. As noites de verão chegaram ao fim, e agora, era apenas ela e um sentimento de liberdade que a empurrava cidade a fora – sozinha. As dúvidas tinham voltado e a esperança para que encontrasse todas as respostas no rapaz – mais uma vez – estavam esgotando-se. Mas não podia deixá-lo, não podia destruir alguém que lhe trouxe de volta um sentimento tão puro, tão vivo. Não podia destruir uma árvore. Ele era um bom rapaz.

Pena que em Londres, bons rapazes sempre acabem em bares, no final.

Porque afinal, ninguém sai incólume quando há amor. Ninguém sai incólume quando há sentimento.

Cinzas.

 Londres, 22 de junho, 1996.

Chovia. Mas estavam seguros dentro do quarto que presenciará longas noites de sensualidade e principalmente de amor. (Não era só sexo, era amor. Era.) Entrelaçavam-se aquecendo um ao outro. Nossa dama agora tinha certeza de sua infelicidade, mas despedaçar corações não era mais sua especialidade. Quando o beijava não podia mais senti-lo; era só um beijo sem o tremor da louca e mórbida paixão. Embora para ele fosse sempre como da primeira vez, como aquele dia... aquele dia em um certo bar. Ele não cansava de olhá-la – nossa sereia dos bares havia hipnotizado mais uma presa, realmente. Infelizmente para ele aquele sentimento estereotipado estaria sempre ali, intacto.

-Nós precisamos conversar. Disse ela.

-Sempre que quiser, meu doce. Com o mesmo sorriso bobo de sempre, sussurrou o rapaz.

-Bom, eu... Eu. As palavras doíam, elas simplesmente se prenderam e não desgrudaram de sua língua.  

-Eu também te amo. Disse ele, mais uma vez, entendendo tudo errado.

(Existe um perigo enorme ao transformar meias-verdades em verdades completas.)

Logo viria o pedido, logo viria o suicídio em palavras. Logo chegaria o momento em que nossa dama desejaria nunca ter vivido – pois para toda vida há uma morte.

Presságios.

Londres, 26 de agosto de 1996.

Às vezes o momento chega mais rápido do que imaginamos; como agora.

Chovia forte, mas não importava; o rapaz estava tão feliz que nada o deteria naquela noite.
Os bolinhos estavam sobre a mesa esperando por eles. Nossa dama repousava sobre uma poltrona vermelho-vinho com pequenos detalhes dourados, rasgada e com aquele cheirinho agradável de móveis antigos. Ele olhava pelo vidro sem enxergar, apenas esperando pelo momento.

Em uma velha cabana duas vidas prestes a mudar.

Repentinamente o toca disco – que nossa dama não notou a existência – foi ligado por ele, surpreendendo-a.

How Deep Is Your Love - Bee Gees

A música saltitava de ouvido a ouvido, os dois entreolhavam-se. Quase lá.

Ele estendeu a mão em sua direção, ela recusou. Ele insistiu, e ela, não resistindo ao seu ímpeto levantou-se; logo estavam dançando em uma pequena sala onde a luz da lareira faiscava e, nas paredes de madeira viam suas sombras. Era tão patético dançando desajeitado e duro. Mas não importava – para ele nada mais importava.

- Mas se houver você, sempre haverá esperança. Sussurrou ele em seus ouvidos.

A música chegou ao seu fim. O início para ele.

É chegada à hora. Dilacerar. Olhar. Correr.

Ajoelhou-se, olhava direto aos olhos dela – havia medo, mas havia esperança. Ela não acreditava no que estava prestes a acontecer, ela não queria, não podia. Ela que sempre foi tão ríspida e cruel com todos os homens, agora era traída por uma compaixão femininamente idiota.

O gradativo do amor que morria gradativamente. O amor de nossa garota-mulher, espúrio, não podia mais suportar. As ruínas não aguentavam mais serem ruínas. 

Ele tirou do bolso duas alianças, elevou o braço até que ela pudesse ver claramente – eram alianças douradas. Os olhos do rapaz brilhavam – lágrimas? Ainda não.

- Você aceita? Aceita se casar com o idiota do bar?

Explosão.

As sombras na parede, assim como os estampidos do fogo, desapareceram para ela.

- Eu, eu, eu não sei o que dizer. Disse ela, perdida e com medo.

- Diga que me ama e que me quer como seu. Diga que nós poderemos ficar juntos para o sempre e que o sempre venha e que nos leve, e que nós sejamos felizes enquanto estamos e enquanto formos. Porque eu te amo e você é tudo o que eu sempre quis, você, dama do bar é meu amor, minha vida, é meu mundo. Não posso mais segurar esse sentimento que corre pelas minhas veias, eu não posso mais esperar.

As amigas do jovem estavam de volta; lágrimas.

- Eu... Estou confusa. Ela tremia, sua cabeça doía e girava. Eram tantos sentimentos.

Buscava a saída, mas...

- Eu te amo mais que tudo, eu te amo mais que a mim. Porque eu não existo quando você não está. Eu não vejo cores sem você. Eu quero você comigo todos os dias. Eu quero que você seja minha e que eu seja seu. Você sabe que eu morreria por você. Você já tem meu coração, você já tem minha vida. Você me tem. Deixe-me tê-la. Permita-nos sermos felizes. Permita-se. Disse ele, desesperado.

Ela não conseguiu falar, mas acenou com a cabeça. Os olhos? Estes não se enxergavam, dispersos em meio às lágrimas. Ele a abraçou, vibrando – tremendo.

Ele, aparentemente, conseguira o desejo de sua vida. Ela conseguira apenas mais uma mentira – um passaporte para o vazio que há tempos tentava fugir.

A data seria 12 de janeiro de 1997. Sem noivado, sem conhecer a família do rapaz, ela aceitou. Aceitou sem dizer nada. Omitir nunca lhe havia custado tão caro.

E tudo aconteceu como deveria acontecer.

Ela, que a princípio tinha salvado alguém percebeu que ela é que tinha sido salva.

E enfim alguém morreu para que outra nascesse.

Não havia mais rapaz de lágrimas e muito menos dama da noite.

Agora existia um vazio e um coração.

Liberdade.

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