domingo, 8 de maio de 2011

Bordas ensanguentadas.


Perdido, perdidamente esquecido dentro de mim.

Bebi aquele líquido negro sem nome; fervente e amargo. Bebi-o sem açúcar; o seu pior. Bebi o seu áspero para transcender-me em algo maior do que eu era e não sabia, sua borda, na xícara branca era como vermelho sangue. Bebia sua borda ensanguentada, transformava-me no que bebia; tornava-me tão negro quanto aquilo que não sabia o nome.

Oh, líquido infernal, líquido que destruiu o invólucro inviolável; o sarcófago que guardava a imundice humana que é toda minha porque vivo e porque sou o que busco entender. Bebi o líquido para sentir-me tão negro quanto à dor que já sentia – líquido infernal, veneno maldito que liberta, quebra e dá asas ao demônio envolvido pelo aglomerado de sangue. Torna-me o horrível, o pior que seu negror, torna-me ainda mais horripilante que minha dor agudamente fina. Essa dor inerente que me é obrigação – transformo-me em algo que nunca ouvi ser-se; não sinto mais a dor, entretanto, sou-a. Sou a dor viva em forma carnal, sou do avesso para esconder a parte dilacerada. 

Líquido negro com borda de sangue que agora me é branco, torna-se angelical enquanto afogo-me nos tormentos que são somente da dor, dor plena. Seu cheiro de ferrugem morta – meu? – num átimo traz-me de volta a vida que me dói. Traz-me de volta a morte que me vive em cada gole que desce quente pela escuridão de minha humanidade destruída, estremecendo meu âmago poluído; meu cerne em pedaços que ainda pulsa como o corpo de lagartixa que mesmo depois de cortado e morto ainda se contorce.

Contorço-me dentro de mim mesmo. Dentro de mim sinto as chamas do fogo que me resfria; reverberam em tal contradição que em palavras soam o abstrato que é incompreensível para quem não pode ouvir sons inaudíveis. É neutro para quem não pode sentir palavras incompreensíveis. Não reconheço mais o líquido infernal, agora o azedo me é insípido, causa-me enjoo por sua falta de gosto ruim. O ruim que agora me é agradável, agradável por dentro. Porque o inferno que pulsa em meu cerne é tão morto quanto o eu que ainda escreve. É tão vivo que pulsa mais que a vida que expresso aqui fora. Oh céus, e agora, agora que provei do líquido maldito sem açúcar; é isso então? Causei minha ruína porque bebi o que não é doce? Tinha fome de doce, então é isso? Eu tinha fome do doce e do azedo e agora o que me sobra do líquido é o in-sabor. Tentando fugir da dor tornei-me o que não tem volta, o que não tem sabor e o que é tão mal quanto o mais extremo doce e o mais agudo azedo, aquilo que os tornava insuportavelmente irritantes por tanta perfeição.  Agora, sem perfeição de bom ou ruim, vivo apenas o que me é sem sabor. Dor; vivo-a.
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Sem sabor, sem sabor afligindo minha alma que é dor pura, dor vivente sobre a película carnal que morre enquanto vai sendo o que por direito não se é; vai sendo o seu transformar nos dias em que há líquido negro sem nome, em dias que a dor é tão forte que não se pode aguentar tal contorcer em si mesmo que apela-se para o pior do pior; apela-se por tornar-se o que se sente e o que machuca, oh esta é a saída que encontro enquanto vivo. Ou enquanto morro, ou enquanto faz frio.

Um comentário:

  1. Eu, particularmente, quando sinto-me sendo dor, tenho um obstáculo muito grande pra escrever, como se as palavras intensificassem e ratificassem tudo aquilo que faz doer; atiçassem a dor. Parabéns por essa coragem de explicitar o que é verdadeiramente sentir e destruir-se em partes por causa disso, ficou muito bom.

    E onde há dor, há renovação e evolução.

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